domingo, 17 de julho de 2011

Um pouco de Contra-cultura (para ler, ouvir e cantar)

Livro: "LEONARD COHEN - O Eterno Regresso", por Marc Hendrickx
Foi lançado em Portugal pela editora Guerra e Paz esta biografia da vida de um dos maiores ícones da música e poesia canadense.
Aqui no Brasil muito pouco se conhece da extensa obra deste grande artista de origem judaico-canadense. Mas em outros horizontes, artistas como R.E.M., BON JOVI, BONO VOX, STING, PIXIES, NICK CAVE, ELTON JOHN, TRISHA YEARWOOD, KATE VOEGELE, TORI AMOS, PETER GABRIEL, SUZANE VEGA, WILLIE NELSON, LLOYD COLE, entre outros, fizeram músicas em seu tributo.
Suas músicas "If it be your will" e "Everybody Knows" tiveram forte influência no filme "Um Som Diferente", estrelado por Christian Slater, na década de 1990. Também algumas de suas músicas fizeram parte da trilha sonora do filme "Assassinos por Natureza", e "Shrek" (Hallelujah).
Como escritor, há uma novela "The favourite Game", escrita em 1963, e que foi transmitida em 2003 em uma emissora Canadense. Também há outros livros, como "Let us compare mitologyes" (não traduzido para o português), e "Beautiful Losers" (Belos Vencidos), trazudido pela editora portuguesa Relógio D'água e o livro de poesias Energy of Slaves, entre outros muitos.
Quanto as suas principais canções, uma delas é "Suzanne", que não se refere à sua companheira Suzanne Elrod, que com ele teve um casal de filhos, Adam (nascido em 1972) e Lorca (1974), mas se refere a Suzanne Verdal, a esposa de seu amigo escultor canadense Armand Vaillancourt. A canção na qual Suzanne Elrod inspirou Cohen a compor foi "My Gipsys Wife", e o poema "The dark Lady".
Na década de 1960/70 teve um romance com a cantora Marianne Faithfull, o qual inspirou a canção "So long, Marianne".
Em meados de 1990 retira-se da vida pública, após seu relacionamento com a atriz Rebeca De Mornay, isolando-se no monastério zen-budista Mount Baldy, na Califórnia.
Nascido em 21/09/1934, Leonard Norman Cohen, com seus 77 anos, é tido pelos críticos literários como um escritor dotado de uma alta capacidade de composição em suas letras, um estílo literário extremamente voltado ao espiritual religioso, isolamento, sexualidade e relações interpessoais nesses 50 anos de carreira.

Transcrevo aqui a nota bibliográfica e fragmentos deste excelente eterno regresso:

Nota:
"Este é um livro muito especial em que Marc Hendrickx confronta o leitor com a obra do incontornável cantor e poeta judaico-canadiano Leonard Cohen. Muito longe de ser uma biografia, aqui o autor procura, através de um registo intimista, as respostas para questões sobre o Homem, a felicidade, a tomada de consciência, a fé, o objectivo de vida, o amor, a velhice e a morte. Esse processo é simultâneo com a abertura de horizontes sobre a vida do artista que homenageia, abarcando fases como a sua passagem pelas ilhas gregas ou pelo mosteiro zen da Califórnia onde Cohen se refugiou por diversas vezes. Sem esquecer a sua fama internacional, este livro devolve–nos a perspectiva de um legado que se corporiza num perpétuo regresso."

Trecho:
"A meio do percurso da minha vida, dei por mim num bosque sombrio.» Poderia ter sido uma citação. Contudo, hoje, mais de setenta anos depois de Leonard Norman Cohen ter soltado o seu primeiro grito neste mundo, o poeta profético que cura olha para trás com brandura. A sua divina comédia está quase terminada. O seu humilde servo, leitor, pelo contrário, ainda só chegou à orla da escura floresta."


Para saber mais sobre o Leonard Cohen, há documentários narrando algumas fases da carreira e vida deste poeta, cantor e escritor:



Ladies and Gentlemen...Mr. Leonard Cohen
(Canada, 1965)





 Portrait, Spring 96
(relato sobre a vida no mosteiro)




I'm Your Man (2007)

terça-feira, 5 de julho de 2011

Resenha: NA NATUREZA SELVAGEM

Conhecendo a história de Chris McCandless, arrisco-me citar uma frase de Schiller: "Quem não se arrisca para além da realidade jamais conquistará a verdade."

"Eu queria movimento e não um curso calmo de existência. Queria excitação e perigo e a oportunidade de sacrificar-me por meu amor. Sentia em mim uma superabundância de energia que não encontrava escoadouro em nossa vida tranquila." (Leon Tolstoi, em "Felicidade Familiar")

É nesse ritmo que começa a saga de Chris McCandless numa investida às mais íntimas e ousadas tentativas de um homem encontrar-se consigo mesmo, em detrimento a um mundo que beira à esquizofrenia coletiva, e uma nítida falta de sentido para as realizações pessoas. 

A trajetória de Chris McCandless rumo ao Oeste, com destino final Alasca, ou seja, uma odisséia rumo ao desconhecido, trilhando a essência do humano com a natureza selvagem, é apresentada num livro biográfico escrito por Jon Krakauer e depois reproduzido no cinema.

Vejo nas linhas do livro, nas imagens do filme e na beleza intrínseca da trilha sonora composta por Eddie Vedder, a vida que percorrendo a trajetória de cada um de nós. Os anseios, os temores, as grandes lacunas de nossa memória, enfim, palavras e ações que se combinam, arrebatando o espírito cansado da vida falsamente segura, ancorada nos valores impostos por uma sociedade decadente e descontente.

"...o deserto é o ambiente da revelação, estranho genética e fisiologicamente, sensorialmente austero, esteticamente abstrato, historicamente hostil. [...] O céu do deserto é abarcante, majestoso, terrível. [...] Ao deserto vão profetas e eremitas; pelo deserto cruzam peregrinos e exilados. Aqui, os líderes das grandes religiões buscaram os valores terapêuticos e espirituais do retiro, não para fugir da realidade, mas para encontrá-la." (Paul Shepard em "Homem na paisagem: Uma visão histórica da estética da natureza").

Seguimos a aventura de Chris McCandless, ou melhor, Alexander Supertramp (super andarilho), emocionando-nos com a austeridade das paisagens. Observamos um deserto aguçando a doce dor de sua aspiração, amplificando-a, dando forma a ela em uma geologia ressequida e puro raio de luz. 

McCandless estava solitário, vivo na natureza selvagem, procurando se desligar dos emblemas metafísicos, procurando se embrenhar no coração da vida. "Estava sozinho no meio de um ermo de ar bravio, entre águas salobras, entre a colheita marítima de conchas, entre claridades cinzentas embaçadas".

Rumou por lugares como Orick, Pistol River, Coos Bay, Seal Rock, Manzanita, Astoria; Hoquiam, Humptulips, Queets; Forks, Port Angeles, Port Townsend, Seattle, Willow Creek, Topock, México, Los Angeles, Detrital Wash, lugarejos do Colorado, Golfo da California, Las Vegas, Bullhead City, Niland, Anza-Borrego, Cartago (em Dakota do Sul), Fairbanks, Yukon, e por fim, o Alasca e sua neve persuasivamente mortal...

"...Não havia ninguém por perto, nem família nem pessoas cujo julgamento respeitasse. Em tal momento, sentia a necessidade de dedicar-te a algo absoluto - vida, verdade, beleza -, de ser regido por isso, em lugar das regras feitas pelos homens que tinham sido descartadas. Precisavas render-te a um tal objetivo último de modo mais pleno, mais sem reservas do que jamais fizeras nos velhos dias familiares e tranquilos, na velha vida que estava agora abolida e abandonada para sempre."
(BORIS PASTERNACK, em "Doutor Jivago")

Cansado da sociedade que lhe roubava, sorrateiramente, sua juventude, sua pureza intuitiva, sua vivacidade embrenhada nos valores "mais nobres" (grifo nosso), se comparados aos valores fast food que o stablishment nos oferece, o jovem outsider buscava "Mais que amor, dinheiro e fama, dai-me a verdade. Sentei-me a uma mesa em que a comida era fina, os vinhos abundantes e o serviço impecável, mas faltavam sinceridade e verdade e fui-me embora do recinto inóspito, sentindo fome. A hospitalidade era fria como os sorvetes." (THOREAU, em "Walden ou A vida nos bosques").
Trechos sublinhados em livros encontrados com os restos de Chris McCandless.


Ao passo que seguia sempre em frente, na sua caminhada pelas sombrias, fantásticas e exóticas paisagens, McCandless também percorria pelas ideologias de pensadores como Tolstoi, Jack London, Boris Pasternack, Henry David Thoreau, Mark Twain, entre outras paradas literárias obrigatórias; aliás, obrigatória é uma palavra que Alex evitava ao máximo. É a palavra que o outsider procura despistar, desprezar, depreciar!

Mas McCandless buscava também a piedade. Acredita-se que ele não estabeleceu nenhum relacionamento sexual com mulher alguma. Um dos livros encontrados no ônibus, a seu lado, era "A sonata de Kreutzer", de TOLSTOI, no qual um nobre que se torna asceta denuncia "as exigências da carne" (grifo nosso). Também circulou várias passagens do capítulo sobre "Leis superiores" do livro Walden, de Thoreau. Uma das frases sublinhadas: "A castidade é o florescer do homem; e o que se chama de gênio, heroísmo, santidade e coisas semelhantes são simplesmente fruto dela".

A despeito deste pensamento, nós somos excitados pelo sexo, obcecados por ele, horrorizados com ele. Quando uma pessoa claramente sadia, em especial um rapaz sadio, escolhe abster-se das tentações do sexo, isso nos choca e nos torna maliciosos. E levantam-se suspeitas. Sua ambivalência em relação ao sexo é semelhante à de gente célebre que abraçou a vida selvagem com paixão sincera - principalmente Thoreau (que foi virgem a vida inteira) e o naturalista John Muir - , para não falar dos incontáveis peregrinos, desajustados e aventureiros menos conhecidos. [...] McCandles parece ter sido impulsionado por um tipo de luxúria que superava o desejo sexual. Ele foi essencialmente atraído para uma comunhão com a natureza, para o Norte ou Oete, para o Alasca. Mas isso não o impedia de ser atencioso e amável para com as pessoas. Se interessava bastante nos sentimentos delas, se envolvia de maneira voluntária e desinteresseira.

Mas foi com um amigo veterano, Ron Franz, que McCandles absorveu o sentido da felicidade, cujo real significado é o "compartilhar". No filme, este capítulo se chama "A Sabedoria".
No seu íntimo, McCandles sabia que a felicidade não era possível de se conseguir na solidão, mas rumou mesmo assim, o caminhante solitário, até o derradeiro refluxo de sua memória familiar, onde, lá no Alasca, perto de sua morte por inanição, nos seus últimos dias, lera e fizera marcações sublinhadas com estrelas e colchetes no livro "O doutor Jivago", de Pasternack: "Oh, como se deseja às vezes escapar da estupidez sem sentido da eloqüência humana, de todas aquelas frases sublimes, para se refugiar na natureza, aparentemente tão inarticulada, ou na ausência de palavras da labuta longa e pesada, do sono saudável, da verdadeira música, ou de uma compreensão humana tornada muda pela emoção!"
McCandless escreveu em negrito acima do texto "NATUREZA/PUREZA", e circulou no texto onde dizia "refugiar na natureza" com tinta preta. Ao lado de "E assim se concluiu que somente uma vida semelhante à vida daqueles ao nosso redor, mesclando-se a ela sem murmúrio, é vida genuína, e que uma felicidade não compartilhada não é felicidade. [...] e isso era o mais perturbador de tudo", ele escreveu: "FELICIDADE SÓ REAL QUANDO COMPARTILHADA".

Podemos assim, indutivamente, pensar que essas últimas palavras sejam sinais de que McCandless estava preparado para retornar à sociedade, com o coração destravado, não mais como solitário andarilho, mas preparado a confrontar e ser confrontado pelos eternos dilemas da raça humana. Mas isso é uma suposição, pois "Doutor Jivago foi o último livro que leu".


"Dormimos ao som do realejo; acordamos, se alguma vez acordamos, ao silêncio de Deus. E então, quando acordamos para as praias profundas do tempo aniquilado, então quando a escuridão deslumbrante rompe por sobre as encostas longínquas do tempo, então é tempo para atirar ao ar coisas, como nossa razão e nossa vontade; então é tempo de quebrar nossos pescoços correndo para casa. Não há acontecimentos, mas pensamentos e o bater inflexível do coração, o aprendizado lento do coração de onde amar e a quem. O resto é pura conversa fiada e histórias da carochinha."
(ANNIE DILLARD, em "Santa Firma")

A beleza da história de McCandles se reflete na busca sincera pela essência da razão do ser, do sentido das coisas e afetos, dos diversos paradigmas que estão constantemente nos colocando em xeque-mate. É um mergulho no desconhecido da alma, no desconhecido das nossas limitações, o avanço à beleza inacessível, irrespondível, e instransponível àqueles que desejam apenas mornidão.

Quanto ao livro, as palavras de Jon Krakauer (autor do livro), fazem jus à maravilhosa história do garoto caminhante. Quanto ao filme, a beleza das paisagens nos leva a vislumbrar a pureza da natureza, a beleza multiforme da criação divina. Por fim, quanto às canções, refletem em nossa alma o impulso do outsider em sua busca para novos horizontes; a desintoxicação de uma sociedade fria e egolátrica.