quarta-feira, 20 de setembro de 2023

O Outsider em terras de cegos e velhacos oportunistas

 

                                            xilografia de Clifford Webb


“Meu amor olhe para os lados: desde crianças só lemos os quadrinhos de jornais”

(PICASSOS FALSOSQuadrinhos)

Em uma época movida por ditaduras cacofônicas, sorrateiramente reinam na cultura urbana (e por vezes, também nas suburbanas e rurais), questiono um velho ditado onde afirma-se que “em terra de cegos quem tem um olho é rei”.

Nestas linhas, apresentaremos alguns possíveis porquês de tal questionamento.

Nos deparamos com uma situação em que as liberdades individuais são sacrificadas por premissas de leis globais, ditadas por uma casta superior composta de meta-capitalistas das big techs e indústria farmacêutica que, em grande proporção, não apresentam um mínimo de conhecimento prévio ou certificação científica daquilo que promulgam; ou melhor, vomitam nas mídias, em geral. Julgam-se entidades superiores, a realeza representativa das sociedades, déspotas esclarecidos. E eu que pensava ser este último adjetivo relegado a um passado bem remoto!

Com a avalanche de vômitos despejados na arena social, tende ocorrer possíveis achatamentos nas liberdades e responsabilidades civis individuais. O Leviatã, substantivo que denota essa casta de celebridades, inflama-se, conclamando sua guerra (já com ares de vitória)!

A plebe se ajoelha e chora, clamando por misericórdia. Mesmo em meio às vozes que clamam nesse mar de cacofonias vomitadas, os outsiders, à beira do abismo, posicionam-se com os pescoços já postos na despótica guilhotina…

Aos indecisos, mornos e oportunistas de plantão, cujo codinome mais se assemelha às aves de rapina que espreitam as desgraças e tragédias cíclicas da humanidade, cabe-lhes o “silêncio lucrativo a longo prazo” (grifo nosso). A estes, que mais se assemelham aos vendilhões dos templos sagrados, em nome de um protecionismo prolixo e alienante sucateiam o que restam de responsabilidades individuais e, em nome de obrigatoriedades onde nem mesmo eles acreditam serem adequadas para sua própria proteção, lançam sua contribuição compulsória às atrocidades institucionalizadas por um estado mórbido e lascivo.

Um caso desses me ocorreu quando dava carona, com meu veículo próprio, um automóvel, a uma senhora. Eu já contava com duas pessoas, que seguiriam viagem comigo (ambas, juntamente comigo, não usavam as pandêmicas mordaças). Sequer me dei conta que estávamos sem a tal sacralizada indumentária. Conversávamos espontaneamente sobre assuntos de interesses mútuos e corriqueiros. Ao embarcar, antes de qualquer ato ou cumprimento, a tal senhora que havia me pedido um favor para trazê-la até nossa cidade de origem apregoou-nos sua reprovação instantânea: “Nossa! Vocês não estão usando máscaras? Como pode isso, hein?”

Seguiu-se breve momento de silêncio aliado a certa perplexidade… Mas eis que, com considerável paciência, tentei localizar minha máscara. Infelizmente não a encontrei. Mas ao invés, encontrei um questionamento: por que tenho que ser obrigado a usar máscaras no meu próprio veículo? 

Eu ofereci uma carona. Meu veículo não é um coletivo público ou veículo de transporte rodoviário, mas um automóvel. Tornei-me um misto de perplexo e injuriado pelas palavras dessa senhora. De modo algum eu teria coragem ou ousadia de persuadir alguém a adotar um costume desses, mesmo que insanamente preconizado pela nova ordem sanitária globalista.

É fato que, para quem acredita na eficácia de alguma dessas medidas ditadas pelo Estado Leviatã, geralmente põe-se em iminente contradição. Vejamos: se realmente essa senhora acredita que o uso de máscaras, ou a obrigatoriedade da vaChinação em massa oferecesse alguma espécie de eficácia contra a proliferação de algum tipo de virulência, porquê da preocupação com o não uso da máscara por parte de outrem? Já não estão fazendo a parte que lhes cabe, protegendo-se individualmente? Ou caberia aqui um jargão: o tal do “politicamente correto“?

Se, ademais, no quadro que tentamos esboçar por estas breves linhas possuir algum senso de realidade, então poderá haver uma meticulosa tentativa de auto-sabotagem nas liberdades e responsabilidades individuais e, consequentemente, uma crise de consciência no coletivo.    

Pois bem… diante de tal frenético zeitgeist[1] ao qual fomos circunstanciados, não se encontrou quaisquer sensibilidade crítica que melhor reinterprete esse momento, a não ser o qual, numa terra de cegos quem tem um olho é bruxo, ou ainda: um demônio rebelde e promotor de confusões; ou pior, um típico protótipo genocida, avesso ao welfare state[2].

Cabe um autoexame: até onde podemos seguir e até onde devemos criticar o stablishment, pois aqui no arraial das incertezas, onde há “um incêndio sob a chuva rala, somos iguais em desgraça”[3]. Para endossar tal situação, cito um trechinho de um dos meus livros de cabeceira, e que ofereço aos nossos inteligentinhos[4] de plantão, nossos fiscais de comportamento:

Ainda quereis ser pagos, ó virtuosos! Quereis recompensa pela virtude, céu pela terra e eternidade por vosso hoje? E agora vos irritais comigo por ensinar que não existe um tesoureiro pagador? E, em verdade, não ensino sequer que a virtude é sua própria recompensa. (…) E há também aqueles que consideram virtude dizer: ‘Virtude é necessária’; mas no fundo acreditam apenas que a polícia é necessária[5].


Publicado em 21 dez 2021.

[1] Traduzido como “espírito do tempo”.

[2] Conhecido em terras tupiniquins como “Estado de bem estar social”, onde as esmolas caem como dádivas celestiais ou dionisíacas, conforme a crença política e a subserviência a um paternalismo irresponsável e colonialista.

[3] Alusão à canção de CAZUZA, intitulada Blues da Piedade.

[4] A interpretação desse termo remete ao exposto pelo filósofo tupiniquim Luiz Felipe Pondé, a uma casta que também é vista como “os politicamente corretos”, muito vista nas nossas ruas e vizinhanças.

[5] Fragmento retirado do capítulo Os virtuosos, de Friedrich Nietzsche, em Assim falou Zaratustra, Companhia das Letras, 2011, pp. 89-91.

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