sexta-feira, 24 de agosto de 2012

ESTREIA-"Rock of Ages", com Tom Cruise, faz viagem musical a 1980

ESTREIA-"Rock of Ages", com Tom Cruise, faz viagem musical a 1980 (clique para ver na íntegra)

"...limpinho e sem gosto". Essa era a verdadeira imagem que tinha a idéia de "beatitude" diante do olhar dos 80's. Engraçado que, enquanto os 50's buscavam a tal beatitude, mas de maneiras um tanto diferentes, o ideário dos 80's forçava os ferrolhos para atirar a "hipocrisia transviada de beatitude" para fora de suas moradas!
Muito interessante viver um pouco da nostagia da geração dos 80's, ou seja, this is my generation, babe!

quarta-feira, 11 de abril de 2012

À Caminho do eu-puro



"Aqueles que acreditam que crêem em Deus, mas sem paixão em seu coração, sem angústia mental, sem incertezas, sem dúvidas, e às vezes até mesmo sem desespero, crêem apenas na idéia de Deus, mas não no próprio Deus." 
(Miguel de Unanuno, 1864-1937, do livro O Sentido Trágico da Vida nos Homens e nas Nações).

Promessas de salvação surgem de experiências humanas, em circunstâncias extremas, brotando através de esperanças de redenção, culminando eclodir no caminho da Cruz: apoteose da consolidação dos tempos por meio de um homem: o "Filho do Homem". Mas o caminho da Cruz não dá prioridades para realização de desejos naturais, tampouco se dobra a instintos demasiado humanos!
Existe um abismo divisório, que se posiciona entre o cristianismo religioso e a espiritualidade cristã. Tal abismo pode ser visto, ou até mesmo vivenciado no uso dos Salmos, com ressonâncias nas experiências humanas (por exemplo confusão, raiva, medo, ansiedade, depressão, alegria incontida). sua aderência na alma humana impulsiona a extinção do fingimento cotidiano, contrariando o positivismo utópico de que "vivemos no melhor dos mundos".* 
Quem ousa percorrer esse Caminho apropria-se de uma fé corajosa, que é ambientada por enfrentamento de mundo como ele é. Tal caminhada nos move abandonar toda a ostentação febril, as sutilezas do fogo fátuo, do engenhoso conforto, das enganosas aparências. Os Salmos também nos inspira refletir que, em se tratando de espiritualidades, não há restrições quando invocamos o Deus Vivo, quando nos achegamos diante do Seu assombroso pulsar em nossa alma. Esse pulsar que tende desconstruir ranços adquiridos pelo caminho, abandonando resquícios de subserviência instintiva e narcísica. 
O irônico disso é que a vida moderna impõe momentos de fé voltados ao "pensamento positivo", pautado em oráculos ou gurus modernos da administração, travestidos com roupagem pseudo-angelical. Enquanto que o caminho da fé espiritual é bem distinto. 
Mas o comportamento religioso tem se tornado uma negação à realidade; deuses são recriados a partir de redemoinhos de vaidades, de desejos e ansiedades interiores. No âmago das vivências corriqueiras, há uma ordem apelando para a realização de desejos. 
Diante de tais comportamentos, Marx viu deus funcionando para os religiosos como um comprimido enorme contra a dor (o equivalente moderno do seu ópio); para Freud esse deus dos religiosos oscilava entre um gigante ursinho de pelúcia e um despótico diretor de escola. Esses dois homens receberam notoriedade como protagonistas de uma nova era, com proposta libertadora através da ciência; embora Freud tornou-se cada vez mais pessimista em relação ao futuro da humanidade, talvez por ter vivido até a Grande Guerra e presenciado uma era nazista. Contudo, ambos consideraram a religião como um obstáculo ao seu programa de libertação humana, porque ela ocultava as origens causadoras das aflições humanas.
Sabe-se que em cada um dos casos acima a tradição profética da Bíblia parece ter sido a motivação inconsciente deles, mediante as tentativas de transformar a consciência coletiva. A crença num destino mais elevado para a humanidade, o conceito da alienação humana, a noção (em Marx) de haver propósito na história e o triunfo final da justiça... Tudo isso são reminiscências de uma cultura que, em algum momento, se achava profundamente influenciada por uma visão bíblica de mundo. Deste modo, Marx se utilizou do argumento de Feuerbach, crendo que a crítica à religião é o fundamento para toda crítica social, de modo a pôr luz sob toda e qualquer possibilidade de inversão de valores sociais causados pela religião. Feuerbach dizia que: "Para enriquecer a Deus, o homem tem que se tornar pobre; para que Deus seja tudo, o homem tem que ser nada.” Neste detalhe, podemos lembrar de um conceito nietzschiano de que o niilismo positivo (ou reativo) pode levar a humanidade para a superação de si mesma, através da dissolução dos valores pré-estabelecidos, e o surgimento de uma responsabilidade individual para com os efeitos da dissolução (antivalor). 
Nós nunca compreenderemos Nietzsche se não considerarmos que ele foi criado num ambiente judaico-cristão, sobretudo, protestante, e que nas primeiras experiências, sua vida era pautada numa visão moral e estética, onde os seus valores frequentemente eram, mesmo de forma inconsciente para ele, bíblicos. A característica linguagem de redenção humana: o “Novo Homem”, é tomada diretamente da teologia cristã.
Mediante inclinações semelhantes às de Nietzsche, o jovem Marx também vivenciou a religiosidade judaico-cristã e não se sentiu muito à vontade para levá-la a sério, apesar de uma breve fagulha expressa: "A união com Cristo consiste na mais íntima comunicação com ele, tendo-o diante de nossos olhos e em nosso coração, e sendo assim tomados pelo mais elevado amor por ele, ao mesmo tempo em que voltamos o nosso coração aos nossos irmãos, com os quais ele nos ligou, e por quem ele também se sacrificou..." (Karl Marx, aos 17 anos de idade, no ensaio: A união dos crentes com Cristo de acordo com João 15:1 - 14).
Nesse ensaio Marx tomou como base o que um dos pais da igreja, João Crisóstomo (c. de 377-407), corajosamente argumentou aos nobres de Milão: "Isso também é roubo, não dar aos outros o que se possui. Talvez esta afirmativa soe surpreendente para você, mas não se surpreenda... Assim como um oficial no tesouro estatal, se ele negligencia em distribuir para quem lhe tenha sido ordenado, mas retém para si por sua própria indolência, tem que sofrer a pena, sendo posto à morte, da mesma forma o rico é como um mordomo do dinheiro que possui para ser distribuído aos pobres. Ele é dirigido a distribuí-lo a seus servos que estejam em necessidade. Desse modo, se ele gastar consigo mesmo mais do que sejam suas necessidades, ele terá que pagar a mais dura pena depois. Pois os seus bens não são propriedade sua, mas pertencem a seus servos... Rogo que você se lembre disso sem falta, que não compartilhar os bens com os pobres é roubar os pobres e privá-los de seu meio de vida; nós não possuímos nossos bens, mas sim os deles. (João Crisóstomo, Sobre a Riqueza e a Pobreza).
Semelhantemente o grande Pai da Capadócia, Basílio da Cesaréia (c. de 329 - c. de 379) repreendeu cristãos que eram ricos com uma linguagem que é ouvida com maior frequência nos piquetes das fábricas do que em templos religiosos: "O pão que você guarda consigo pertence ao faminto; o agasalho que você deixa dentro do seu armário, ao desnudo; os sapatos que você possui e que estão apodrecendo, ao que está descalço; o ouro que você tem muito bem guardado, ao necessitado. Portanto, todas as vezes em qeu você teve condições de ajudar alguém, e recusou-se a isso, você então lhes fez um mal". (Basílio da Cesaréia, em discurso proferido em Ávila).
C. S. Lewis foi muito feliz em seu comentário: "Fale comigo sobre a verdade da religião, e vou ouvi-lo com alegria. Fale comigo sobre o dever que a religião impõe, e vou ouvi-lo com submissão. Mas não me venha falar sobre as consolações da religião que vou achar que você está por fora." (C. S. Lewis, em Um Pesar Observado).
Quando encontramos oportunidade de falar ao próximo, devemos discernir o que o coração do próximo almeja escutar, ou seja, focar no que o próximo necessita e não o que o nosso ego ou moralidade tem a dizer.
Há nítido entorpecimento que tenta desviar nossos passos em direção ao caminho da cruz sob uma sutil presunção, talvez errônea, sobre o que significa santidade e espiritualidade. Contudo, o Espírito ainda teima admoestar: "A verdadeira religião pura e sem mácula, para com o nosso Deus e Pai, é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações e a si mesmo guardar-se incontaminado do mundo" (Tiago 1:27).
Acredita-se que a grande luta de Sócrates, na Grécia Antiga, tenha sido contra os sofistas: aqueles que tinham por princípio comercializar o conhecimento, persuadindo a sociedade comprar suas ideias, mesmo que despojadas de sabedoria. Porém, a sabedoria nada mais é do que o conhecimento compartilhado, e útil para a edificação e construção do pensamento.
O vácuo criado pela perda da criação artística e da experiência responsiva é preenchido ultimamente no mundo moderno. O secundário tornou-se o nosso narcótico. A humanidade alfabetizada é assolada diariamente por milhões de palavras impressas, transmitidas pelo rádio e vistas nas telas de TV com respeito a livros que ela nunca vai abrir, sobre músicas que não vai ouvir, sobre obras de arte que nunca vai contemplar. Um zumbido perpétuo de comentários estéticos, de julgamentos precipitados, de expressões pomposas pré-fabricadas preenche-nos o ar. Presumivelmente, a maior parte de toda fala artística ou reportagem literária é apenas lida por alto e não propriamente lida, mas é ouvida, porém sem se prestar a atenção... Como sonâmbulos, somos guardados pelo sussurro entorpecente do jornalístico, do teórico, em relação ao frequentemente estridente e imperioso fulgor de uma completa presença" (STEINER diz no livro: Presenças Reais: Há Alguma Coisa no Que Dizemos?)
Quando o assunto é a Beleza da Soberania e da Sabedoria divina, a coisa fica um tanto mais confusa, para alguns que imaginam um deus a serviço da criação, um deus de saia, como disse o cantor Cazuza na música "Cobaias de Deus". O sofrimento cristaliza, como nada mais, os dilemas e os pesadelos de uma vida sem Deus. É um nervo inflamado que, se tocado, desperta uivos de raiva e angústia, especialmente hoje em dia. 
Certamente, quando nossos órgãos são transplantáveis; quando temos como comer sem engordar, copular sem procriar, dar um brilhante sorriso sem estar feliz; certamente o sofrimento deveria ter sido banido de nossa vida. Ter que continuar a sofrer, e ver outros sofrendo, isso para nós é uma afronta; e a divindade que, tendo o poder de interromper o sofrimento, ainda permite que seja contínuo, essa divindade só pode ser monstruosa, não um Deus amoroso. É o mesmo de quando um equipamento emperra e fica com defeito, nós procuramos pelo fabricante ou o mecânico para xingar. Aos olhos daqueles que veem os homens como máquinas, Deus é o fabricante, e o mecânico é o seu sacerdote." (adaptado de M. Muggeridge, em Algo Belo para Deus).
Como muito bem disse o teólogo e filósofo Emil Brunner no seu artigo "O homem revoltado": Em cada civilização, em cada período da história, é verdade dizer: Mostrem-me o tipo de deus que vocês têm, e eu lhes direi que tipo de humanidade vocês possuem.
Com a finalidade de ressaltar este pensamento, podemos apropriar do que disse o jovem poeta inglês Thomas Thraherne (1637-1674): - "até que o mar flua em suas veias, até que você se revista dos céus, e seja coroado com as estrelas; e perceba que você é o único herdeiro de todo o mundo; e, mais do que isso, porque todos os homens são igualmente esse único herdeiro, tal como você. Você não poderá usufruir do mundo até que você cante e alegre-se e tenha o prazer em DEUS, tal como os avarentos se alegram com o ouro, e os reis com o cetro." Esse pensamento nos ajuda impedir decairmos para a adoração do mundo em si, explorá-lo para nossos próprios fins egoístas, como o fazem religiosos proselitistas e ambiciosos cujas mentes já foram entorpecidas pelo poder.
Devemos ter em mente que não foram os pecadores, mas os “religiosos” e os “donos do poder” quem rejeitaram o Salvador. Assim, o escritor bíblico relatou para que “saiamos, pois a ele, fora do arraial, levando o seu vitupério. Na verdade, não temos aqui cidade permanente, mas buscamos a que há de vir” (Epístola aos Hebreus 13:13-14). Os discípulos de Jesus são chamados para ir onde Jesus está
Há muito tempo atrás, um homem de conduta religiosa permitiu-se desconstruir, colocar em ruínas os rudimentos e falsa espiritualidade, outrora enxertados nele através de uma sociedade hipócrita, movida por barganhas. Ele dizia assim: "Bem sei que tudo podes, e nenhum dos teus planos pode ser frustrado... Eu te conhecia só de ouvir, mas agora os meus olhos te vêem. Por isso, me abomino e me arrependo no pó e na cinza (livro de Jó 42:2, 5-6). Quando há espaço para desconstruções, há ruptura entre o eu-si e o eu-nós, possibilitando enxergar Naquele em que tudo e a todos criou, uma possibilidade de vida plena. 
Foi o que Emerson tentou ressaltar nos seus ensaios, foi o que Zamyathin traduziu na sua ilustre e inédita obra “Nós”. Foi o que tantos outsiders (o pregador George Fox, Walt Whitman, David Henry Thoreau, o visionário T.S. Eliot, Dostoievsky, Pasternak, alguns poetas e escritores da geração beat, por exemplo) tentaram expressar à humanidade. Com seus uivos eletrizantes proferiram a uma geração monótona e confortavelmente hipócrita e perversa, cujas consciências estavam já entorpecidas, entranhadas em seus vãos deleites, cegos e estúpidos.
É próprio da dominação hipócrita laçar seus tentáculos para além das cercanias, um movimento a um só tempo de expansão e dependência. Representa, ao nível comunitário, o protótipo da exploração do homem pelo homem. A tentativa em reconquistar o domínio perdido, entregue ao adversário, no Jardim do Eden. Enquanto isso, o outsider vê esta tragédia por outros ângulos, busca outro raciocínio, outra visão, outra conduta.
A vontade de potência (ou domínio) não é uma expressão qualquer. Realiza-se sempre às expensas de alguma vítima, seja os que exercem o poder, ou os que cegamente consentem na dominação, um vínculo sádico de dependência. Até aí, tudo bastante simples. Entretanto, insólitos são os caminhos de uma psicologia prolongadamente silenciada: com o passar do tempo (o tempo é fundamental) observa-se no colonizado um esmaecimento da revolta, chegando quase sempre a uma submissão voluntária e algumas vezes até a uma docilidade pervertida. A exploração evoca sensualidade, a opressão ternura. A vítima passa verdadeiramente a amar o dominador, a depender dele; renuncia de bom grado a sua consciência reflexiva; abandona sem hesitação as suas aspirações, norteando seu procedimento conforme os ideais de seu dominador: o que cabe fazer, como deve pensar, o que deve desejar (um exemplo é o selvagem, personagem do livro Admirável Mundo Novo, de Huxley). Do ato de obediência às normas dominadoras extrai intensa sensação de proteção (cobertura) e de bem-estar, podendo, tranquilo de consciência, dormir um ano sem as culpas e os remorsos das desobediências. A “boa consciência” é o bem supremo da mente colonizada e uma vez estabelecida completa-se o processo imperialista de colonização, estabilizando-se as primeiras instabilidades. Estabelece-se assim um vínculo masoquista de dependência no colonizado, e pelas mesmas razões, só que invertidas às do imperialista, poderemos também dizer que todo o colonizado é um “drogado”.
Dependendo do colonialista, desta dependência extrai o prazer, desse prazer extrai o orgulho, com este orgulho nega sistematicamente os efeitos sinistros dessa dependência sobre seu corpo existencial.
Podemos então concluir que todo o universo colonialista está caracterizado pela inevitável “narcotização” de seus participantes, sejam eles colonizados ou colonizadores. Se para o colonizador as “drogas” são as regalias evidentes do processo, pra os colonizados as “drogas” são os privilégios do infantilismo psicológico.
A dialética colonialista vem associada, originalmente, à exploração entre nações; mas pode, por extensão, aplicar-se às relações de exploração dentro de um país, de uma cidade, de uma corporação, de uma religiosidade, de uma família e, mesmo, de uma personalidade.
Evitando uma possível reação por parte do colonizado, tenta-se mascarar a realidade, encobrindo as evidências, confundindo a verdade. Podemos dizer que a propaganda ideológica polui consciências, envenenando o conhecimento.
Deste modo, uma mesma produção cultural que num lugar ou numa época possa funcionar como agente de libertação e desalienação de consciências pode, noutro lugar ou noutra época, funcionar como um agente do entorpecimento e da alienação das consciências.
Alienação que justificaria o fato do homem submeter-se à escravidão. Essa capacidade de resistir vivo, mesmo como escravo, não pode ser explicada sem se recorrer ao poder da fé, do qual o poder do amor seria apenas uma subsidiária ou uma eventual encarnação.
Já foi dito que o prazer obtido pelos poderosos tem caráter sadomasoquista. Mas, como é sentido e vivido, esse tipo de prazer pode ser realmente considerado felicidade? Refiro-me à felicidade como fruto da apropriação indébita e da expropriação autorizada e impune, como aquela do ladrão que rouba de ladrão.
Para que o homem se permita substituir o prazer de viver pelo poder de ter, algo aconteceu antes em sua fisiologia e em sua psicologia natural e espontânea.
Para alguns, o prazer de viver pode ser traduzido por AMOR. Mas o que é amar, além daquilo que é explicado pela fisiologia e a biologia? Sente-se por ele, precisa-se dele, delicia-se nele, acaba-se por ele, morre-se por ele, mata-se por ele, enfim, mas não se sabe o que, de fato, é "ele"?
Será sempre catastrófico o resultado da utilização do amor a serviço do poder, seja autônomo, religioso ou político, porque manipulado dessa forma vai ocorrer, inevitavelmente, a destruição do próprio amor. Só a liberdade, a autonomia e a verdade nos ensinam a aceitar biologicamente e humanamente o tempo, o espaço e o amor pelas coisas vivas.
Assim, para pessoas “drogadas”, a esperança de vir um dia a ser feliz transforma-se, para eles, numa espécie de dependência narcótica. Essa dependência, pelo menos, os mantém aparentemente vivos, embora sem amor espontâneo algum, quer dizer, mortos, mas ainda “insepultos”, como diz nas escrituras: “Deixai os mortos sepultar os seus mortos” (Bíblia, Mt 8:22).
Diante do exposto, podemos considerar a ideia de que numa sociedade como tal, os mortos comandam os vivos, num processo de desvivência progressiva. Mas, paradoxalmente ainda nos cabe um recurso, o de acreditar que morremos, porém não desvivemos!
Mas é claro que as coisas não andam tão bem na aldeia. Alucinados e insaciáveis, os profetas da pseudofelicidade estão muito longe de se convencerem. Almejam a todo custo propagar a teoria da necessidade de dominação (vontade de verdade, que também pode ser definido como vontade de potência, conforme Nietzsche preconizou no seu livro Assim Falou Zaratustra), solapando a capacidade de raciocínio reacionário, dissimulando a espontaneidade de se amar.
A alegria de se amar está no modo simples e direto e gostoso de se expressar, no âmbito funcional, espiritual, físico, emocional, psicológico, afetivo, sensual, ético e ideológico. Como tal, deve ser, por natureza, sempre lábil, instável e furtiva, como acontece com as coisas que não existem por si próprias.
E isto provém do Espírito da alegria, coisa tão incerta como o vento, que é tão forte que às vezes vira tufão, outras parece brisa suave, que pode vir do sul ou do norte, do leste ou do oeste, mas que vem, queiramos ou não, do Criador, e na hora que bem entender.
É amor espontâneo, é a vida numa pulsação, com a qual o ser vivo expressa sua existência. Quando nos desprendemos, há compartilhamento de experiências e ideias, há grandes chances de se produzir saberes, vivências que se entrecruzam, entronizando aromas agradáveis na alma. Jesus Cristo abriu caminho para esse compartilhar. E, séculos mais tarde, um pensador russo alertou que "a felicidade só é real quando compartilhada".** 

* Alusão à crítica de Voltaire, contida no livro "Candido ou O Otimismo".
** Alusão ao escritor russo Liev Tolstoi.

quinta-feira, 22 de março de 2012


HOMENAGEM AOS ENSINADORES
(à professora Sandra)
Dar atenção à propaganda política eleitoral é como provocar o riso da própria desgraça.
O desprezo é o protesto mais eficaz contra a hipocrisia.
(Eder, outubro de 2010)

(à professora Adriana)
Arte não é alguma coisa que escolhemos fazer; é algo que escolhe a gente. Não é algo que pensamos; é algo que sabemos.

(à professora Patrícia)
Duvidar de si mesmo é algo comum das pessoas sábias e criativas... é um rosto que não grita, mas que suavemente acena.

(à professora Thyenne, in memorian da professora Roti Nielba Turin)
Que a vida nos desafie vive-la plenamente; daí então obterá de nós a ternura, a pureza e o amor de cada parágrafo de nossos dias.
(Eder, 23 de fevereiro de 2011)

Um dia a mais

UM DIA A MAIS
Tão sábio és tu, mundo cruel
A gota do orvalho que teima e molha
é a mesma que zomba dos mortos
Estão cá, elas, secas a fel.

A primavera se foi e deixou frio meu coração
Venham as névoas, os trovões, a escuridão
Pois já me fizeste forte, e não mais nefasto
Sou a cinza relutante da guerra
Sou o carvão do solo já gasto.

Já não sinto amor nem dor
E, em meio a tantos dilúvios
dilacero-me ouvindo a voz da solidão
Cravada nas ruínas de um amargo amor.
(Eder, 20/fev/1998)

Sociologia do Óbvio


SOCIOLOGIA DO ÓBVIO
(ao amigo e professor Edgar)
O óbvio que me arrasta com seus vultos sem louvor...
Novamente me chamo Bandini, na minha real anarquia
É ele: Bakunin sorrindo por detrás da neve
Leonard Cohen descreveu-o, dançando até o fim do amor.

Zamiatin está morto, e os crepúsculo s dos deuses não mais existem
Homens demasiadamente inúteis, largados à atmosfera, ainda insistem.
Sejam bem vindos ao desfile dos hipócritas, bradou o poeta!
Por detrás das folhas de relva Whitman vocifera.

Há muito me admiro do silêncio dos covardes
Somos os mais novos vagabundos iluminados
Ou apenas nauseabundos profetas de um amanhã insolente
Até que tu e eu saibamos que um de nós deve estar doente.
(por Eder, maio/2011)

domingo, 11 de março de 2012

Veias Purulentas da Corrupção Humana



VEIAS PURULENTAS DA CORRUPÇÃO HUMANA
(ao amigo e pregador Ezaquiel Mell)
Levantai ó povos as vossas nádegas
da hipócrita ociosidade pseudo-cristã.
Aguçai as portas da percepção,
desprendei-vos do jugo da insignificância religiosa
E avançai rumo às descobertas de uma terra ainda virgem
cujos frutos são provenientes da verdadeira simplicidade.
Desenraizai-vos de toda escassez de personalidade,
herança da mística corrupção.
(Eder, fev/2010)

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Feliz Ano Novo

Desejo à vocês, amigos, familiares e leitores queridos o Melhor de Deus nas suas vidas, neste ano que se aproxima.
Que as sementes de amor plantadas sejam colhidas abundantemente neste 2012.
Que a saúde sempre esteja habitando em vocês, e que a Paz Verdadeira vos lembre sempre que tudo está aos olhares Daquele que nos criou para a Sua infinita Glória.
À você, um Feliz Ano Novo.

Em Afegani: Saale Nao Mubbarak
Em Africano: Gelukkige nuwe jaar
Em Albanês: Gezuar Vitin e Ri
Em Alemão: Prosit Neujahr
Em Árabe: Antum salimoun
Em Bretão: Nedeleg laouen na bloav ezh mat
Em Búlgaro: ×åñòèòà Íîâà Ãîäèíà(“Chestita Nova Godina”)
Em Cantonês: Sang Nian Fai Lok
Em Chinês: Chu Shen Tan
Em Croata: Sretna Nova godina!
Em Curdo: sala we ya nû pîroz be
Em Dinamarquês: Godt Nytâr
Em Eskimo: Kiortame pivdluaritlo
Em Eslováquio: A stastlivy Novy Rok
Em Espanhol: Feliz Ano ~Nuevo
Em Francês: Bonne Annee
Em Grego: Kenourios Chronos (Kali Xronia)
Em Guarani: rogüerohory año nuévo-re
Em Havaiano: Hauoli Makahiki Hou
Em Hebraico: L’Shannah Tovah
Em Hindu: Nahi varsh ka shub kamna
Em Holandês: Gelukkig Nieuwjaar
Em Indonésio: Selamat Tahun Baru
Em Iraquiano: Sanah Jadidah
Em Irlandês: Bliain nua fe mhaise dhuit
Em Italiano: Felice anno nuovo
Em Japonês: Kurisumasu Omedeto
Em Kirundi: umwaka mwiza
Em Koreano: Chuk Ha
Em Laonês: sabai di pi mai
Em Latin: Felix Sit Annus Novus!
Em Luxemburguês: e gudd neit Joër
Em Macedôneo: srekna nova godina / Streken Bozhik
Em Malásia: selamat tahun baru
Em Maltês: is-sena t-tajba
Em Mandarim: Kung His Hsin Nien bing Chu Shen Tan
Em Mongolês: shine jiliin bayariin mend hurgeye (Шинэ жилийн баярын мэнд хvргэе)
Em Nepalês: Nawa Barsha ko Shuvakamana
Em Norueguês: Godt Nyttår
Em Papua Nova Guiné: Nupela yia i go long yu
Em Persa: sâle no mobârak
Em Filipinês: Manigong Bagong Taon
Em Polonês: Szczesliwego Nowego Roku
Em Português: Feliz Ano Novo
Em Rapa-Nui: Te-Pito-O-Te-Henua
Em Romeno: An Nou Fericit
Em Russo: S Novim Godom
Em Somalês: Iyo Sanad Cusub Oo Fiican!
Em Sueco: Gott nytt år!
Em Sudanês: Warsa Enggal
Em Suíço: es guets Nöis
Em Taitiano: ia orana i te matahiti api
Em Tcheco: Scastny Novy Rok
Em Tibetano: tashi délek
Em Tonganês:  Ta’u fo’ou monu ia
Em Turco: Yene Yiliniz Kutlu Olsun
Em Ucraniano: Shchastlyvoho Novoho Roku
Em Urdu: Naya Saal Mubbarak Ho
Em Vietnamês: Chuc Mung Tan Nien
Em Wallon: bone annéye / bone annéye èt bone santéye
Em Xinjiang: Chu Shen TanEm Yorubá: e hu iye’ dun!
Em Yiddish: a gut yohr
Em Zulu: Sinifesela Ukhisimusi Omuhle Nonyaka Omusha Onempumelelo

"E agora, ó Israel, que é que o SENHOR, o seu Deus, lhe pede, senão que tema o SENHOR, o seu Deus, que ande em todos os seus caminhos, que o ame e que sirva ao SENHOR, o seu Deus, de todo o seu coração e de toda a sua alma, e que obedeça aos mandamentos e aos decretos do Senhor, que hoje lhe dou para o seu próprio bem?"
"Seja Ele o motivo do seu louvor, pois ele é o seu Deus, que por vocês fez aquelas grandes e temíveis maravilhas que vocês viram com os próprios olhos"
(Trechos retirados do capítulo 10 do livro de Deuteronômio)

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Conversando com Deus



Quando nesta manhã caminhando ao redor do lago, no campus da universidade, como de costume apreciava a beleza da natureza, o canto dos pássaros, o desfile soberano dos cisnes, a marcha extravagante dos patos, as águas que corriam em cadência ao assopro do vento; enfim, ao passo que andava, conversava com Deus...  
Sei que é muita ousadia inferir uma conversa com o Todo Poderoso; todavia, "Eu prefiro um galope soberano à loucura do mundo me entregar". 
Deixando a ousadia de lado, diante de tanta paz, em súbito me veio um pensamento: a lembrança de um querido amigo, o saudoso  amigo Darci Borges. Lembrei-me das muitas caminhadas que fizemos ao redor deste mesmo lago, das "conversas fiadas", das prosas, das piadas, e das palavras sempre pontuais, de incentivo que saíam dessas conversas.
Ele era um "outsider", pois conseguia ver e viver do outro lado da margem do rio da vida. Via tudo com boas perspectivas, num equilíbrio constante e temperança, com uma pausa no falar quando o assunto se tornava mais pesado e complexo. A sabedoria também habita onde há humildade!
Ao bondoso Deus resta-me agradecer o privilégio de ter conhecido este amigo... Enquanto escrevo a visão embaça, lágrimas rolam, numa súbita e inevitável tristeza de se perder um amigo. Doutro modo, é gratificante saber que vamos nos encontrar um dia: firme esperança que retroalimenta a caminhada.
É bom saber que ainda existe pessoas dignas de recordação; e com isso fico a pensar: o que tenho significado na vida das muitas pessoas que estão juntos a mim, nessa breve caminhada? Qual a memória que elas têm ou terão ao lembrarem de meu nome? Será que tenho alguma contribuição? Quiçá eu consiga seguir os passos do saudoso "velhinho amigo". Um forte abraço, Darci. E até breve...

terça-feira, 8 de novembro de 2011

O Outsider Caipira

Está aí um outro exemplo de Outsider, ou seja, o caipira.
Uma das suas características marcantes é o retorno, ou seja, a busca pelas suas origens, a natureza, a simplicidade, a sinceridade, a saudade, o saudosismo do homem das recordações do campo, a pureza e outros tantos sentimentos!
Essa é para o amigo Robson e seu companheiro Wagner.
"...ainda não dá para viver de música, mas também não dá para viver sem a música".

Eve of Destruction

Lembrei desta canção, que diz muito sobre uma época que se encontrava no limiar da destruição.
Muitos artistas, pensadores e pessoas comuns abandonam sua condição de pacato cidadão e vão às ruas dizer às "autoridades ensandecidas de prepotência" que havia uma parcela da sociedade interessada na questão; e que a massa popular não compactuava com o que seus representantes estavam realizando.
Os meios de comunicação ainda eram primitivos, mas havia naquela geração algo de efervescente, um olhar não conformado com o mundo ao seu redor; mas uma atitude de transformação, buscando razões para uma esperança!

Aqui está a letra:

EVE OF DESTRUCTION (Barry McGuire, 1965)

The eastern world it is explodin',
O mundo oriental está explodindo
Violence flarin', bullets loadin',
Violência eclodindo, balas disparando
You're old enough to kill but not for votin',
Você é velho o suficiente para matar, mas não para votar,
You don't believe in war, what's that gun you're totin',
Você não acredita na guerra, qual é a arma que você está segurando?
And even the Jordan river has bodies floatin',
E até o rio Jordão tem corpos flutuando,
But you tell me over and over and over again my friend,
Mas diga-me mais e mais e mais uma vez meu amigo,
Ah, you don't believe we're on the eve of destruction.
Ah, você não acredita que estamos às vésperas da destruição.


Don't you understand, what I'm trying to say?
Você não entende, o que estou tentando dizer?
Can't you feel the fears that I'm feeling today?
Você não consegue sentir os medos que eu estou sentindo hoje?
If the button is pushed, there's no running away,
Se o botão é pressionado, não há como fugir,
There'll be no one to save with the world in a grave,
Não haverá ninguém para salvá-lo com o mundo em um túmulo,
Take a look around you, boy, it's bound to scare you, boy,
Dê uma olhada em torno de você, garoto, sou obrigado a te assustar, garoto,
And you tell me over and over and over again my friend,
E você me diz mais e mais e mais uma vez meu amigo,
Ah, you don't believe we're on the eve of destruction.
Ah, você não acredita que estamos às vésperas da destruição.


Yeah, my blood's so mad, feels like coagulatin',
Sim, meu sangue é tão louco, parece que está coagulando,
I'm sittin' here, just contemplatin',
Eu estou sentado aqui, apenas contemplando ,
I can't twist the truth, it knows no regulation,
Eu não posso torcer a verdade, ele não conhece o regulamento,
Handful of Senators don't pass legislation,
Punhado de senadores não passam de legislação,
And marches alone can't bring integration,
E marchas por si só podem não trazer a integração,
When human respect is disintegratin',
Quando a relação humana é desintegrada,
This whole crazy world is just too frustratin',
Todo mundo é louco, é apenas frustrante demais
And you tell me over and over and over again my friend,
E você me diz mais e mais e mais uma vez meu amigo,
Ah, you don't believe we're on the eve of destruction.
Ah, você não acredita que estamos às vésperas da destruição.


Think of all the hate there is in Red China!
Pense de todo o ódio que existe na China Vermelha!
Then take a look around to Selma, Alabama!
Então dê uma olhada em volta para Selma, Alabama!
Ah, you may leave here, for four days in space,
Ah, você pode deixar tudo aqui, durante quatro dias no espaço,
But when your return, it's the same old place,
Mas quando do seu retorno, estará o mesmo velho lugar,
The poundin' of the drums, the pride and disgrace,
O runfar dos tambores, o orgulho e vergonha
You can bury your dead, but don't leave a trace,
Você pode enterrar seus mortos, mas não sem deixar um rastro,
Hate your next-door-neighbour, but don't forget to say grace,
Odeie seu vizinho, mas não se esqueça de dizer a graça,
And you tell me over and over and over and over again my friend,
E você me diz mais e mais e mais e mais uma vez meu amigo,
you don't believe we're on the eve of destruction.
você não acredita que estamos às vésperas da destruição.
you don't believe we're on the eve of destruction.
você não acredita que estamos às vésperas da destruição.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Cristo de Madeira ou de Concreto



Há muito sou visitante das “sinagogas pós-modernas”; digo isto porque ainda ouço alguém dizer: “bem vindos à casa de Deus!”.

Não consigo concordar com esta frase. Arrisco-me dizer que este vive um cristianismo de madeira ou de concreto; que só encontra a amizade, a paz, a generosidade aos sábados e domingos. Não consegue enxergar que a morada de Deus é no seu dia a dia, na sua alma, habitat perfeito e incorruptível, construído por Jesus Cristo há dois milênios.

Nos templos vivem uma contextualização cronicamente inviável ao cristianismo bíblico. Muito se clama dos púlpitos frases sepulcrais, oriundas da mais obscura e confusa intencionalidade, clamando: “sentados na praça: Nós vos tocamos flauta, e não dançastes; entoamos lamentações, e não chorastes...” (Evangelho de Lucas, 7:32).

Bons tempos aqueles que ainda se dizia: “Voz do que clama no deserto”, pois hoje, nem mesmo aquele que dizia ter o espírito do profeta Elias seria ouvido por muitos dos que se assentam nesses templos que mais se parecem sarcófagos.

Há uma sociedade cansada de ser dominada por governos corruptos, mal intencionados; desiludida dos sistemas de crenças que só fazem acrescentar dor, pânico, repreensão, humilhação e menosprezo...e, se não bastasse, acrescentados a esses dissabores, uma pitadinha de fábulas que entorpecem a consciência dos que os aplaudem, iludidos em suas vãs esperanças.

Não me refiro somente à corrupção por parte daqueles que roubam o dinheiro para benefício próprio, mas àqueles que, com cinismo disfarçado de “justiça divina” roubam o tempo das pessoas que, com boa intenção nos corações, vão em busca de algo que lhes traga um refrigério na alma; mas são fatalmente enganadas, mentalmente corrompidas.

Se nos intitulamos “espirituais”, porque ficamos a divagar sobre “ninharias”, tentando transformar tudo e todos em mercadoria barata? Se realmente acreditamos que somos cristãos, porque não alimentamos um pouco do corpo, muito da alma e muitíssimo das coisas lá do alto? Porque permanecermos num dilema agostiniano, tentando massacrar a alma, oferecendo sacrifícios tolos, adiando a sublimação da existência, torturando o coração e os sentimentos, e enganando a própria consciência, acreditando que o verdadeiro prazer consiste em torturar a alma? Onde chegaremos com tamanha demagogia?

Nas praças desfilam o infortúnio das almas penadas, dos espíritos impotentes, vivendo a embriaguez da razão, do sentimento; seres que já não mais buscam respostas, mas desperdiçaram o último fôlego da esperança. Apenas vivem as intempéries do dia a dia. Enquanto isso, as instituições ostentam sua “onipotência”, seu discurso de pseudo-justiça, onde a fidelidade a Deus se baseia na construção de mais uma torre de Babel, erguendo estandartes absurdos de uma verticalidade egoísta, sustentada no embrutecimento do sentimento de misericórdia aos fracos, aos menores, aos vagantes solitários... Pergunto: onde se escondeu a justiça dos santos? Onde queremos chegar com tamanha hipocrisia? Será mesmo necessária a força da persuasão para rasgarmos o véu que encobre nossa percepção da obra redentora do Cristo Vivo? Será necessário que se pregue palavras intangíveis aos quatro ventos, numa “sociedade do espetáculo”, como diria Guy Debord? Quem realmente somos, neste espetáculo das vaidades desumanas? Somos mais felizes que aqueles que viveram tempos antigos, sem tecnologia, sem adereços ou requintes perecíveis?

Instituem-se púlpitos numa arquitetônica visibilidade. Adora-se o Grande discurso do demagogo; esforça-se para comprar o bilhete do Grande Espetáculo, o espetáculo do sucesso que apregoa a dominação mútua entre homens, enchafurdados numa viciosa alienação. Lugar onde o “penso logo existo” já não existe mais, transferindo-se para o sinto, logo existo; intoxicando a razão, roubando a essência do senso de solidariedade da raça, transformando-nos em protótipos de “big Brothers” (não o da Rede Globo, mas o de George Orwell).

O espírito do nosso tempo é realmente perspicaz e astuto. Será que venceremos as ilusões de nossa consciência? Até quando nos sentiremos seguros em nosso próprio mundo egocêntrico e mesquinho? Até onde gostaríamos de chegar nas nossas débeis vanglórias?  Até quando ficaremos inventando inimigos imaginários sem saber que o inimigo, muitas vezes, somos nós mesmos? É hora de descermos um pouco, de propagarmos o respeito e não a uniformidade cega e desprovida de realidade; de não mais julgarmos a humanidade, e sim nossas próprias misérias, nosso sacrifício sem lógica, sem consciência. Deus não se deixa enganar, mas conhece todos os nossos sentimentos. Enquanto se propaga um clamor pelo avivamento, clamemos pelo despertamento! A nossa fala que não se traduz em ação, empobrece-nos em todos os sentidos. Acordemos desse transe insano; enxerguemos o próximo, não como um instinto judaizante e exclusivista, mas sentindo as diferenças, amando a essência de cada ser, saindo desse baile à fantasia. Tiremos a máscara do partidarismo astuto, abdiquemos de nossa guerra santa, descendo para ver o que há no subsolo da torre de vigia que construímos para fantasiar a falsa segurança das parcas precauções.

Martin Luther King Jr., pastor batista e ícone de uma geração refletiu: “Em decepção profunda, chorei pela frouxidão da igreja. Houve um tempo em que a igreja era bastante poderosa – no tempo em que os primeiros cristãos regozijavam-se por ser considerados dignos
de ter sofrido por aquilo em que acreditavam. Naqueles dias, a igreja não era apenas um termômetro que registrava as idéias e princípios da opinião pública; era um termostato que transformava os costumes da sociedade. Quando os primeiros cristãos entravam em uma cidade, as pessoas no poder ficavam transtornadas e imediatamente buscavam condenar os cristãos por serem “perturbadores da paz” e “forasteiros agitadores
”. Mas os cristãos prosseguiam, com a convicção de que eram “uma colônia do céu”, que devia obediência a Deus e não ao homem. Pequenos em número, eram grandes em compromisso. Eles eram intoxicados demais por Deus para serem “astronomicamente intimidados”. Com seu esforço e exemplo, puseram um fim em maldades antigas como o infanticídio e duelos de gladiadores. As coisas são diferentes agora. Com tanta frequência a igreja contemporânea é uma voz fraca, ineficaz com um som incerto. Com tanta frequência é uma arquidefensora do status quo. Longe de se sentir transtornada pela presença da igreja, a estrutura do poder da comunidade normal é confortada pela sanção silenciosa – e com frequência sonora – da igreja das coisas tais como são. Mas o julgamento de Deus pesa sobre a igreja como nunca pesou. Se a igreja atual não recuperar o espírito de sacrifício da igreja primitiva, perderá sua autenticidade, será privada da lealdade de milhões e será descartada como um clube social irrelevante com nenhum significado..."

Trechos da *Carta de uma prisão em Birmingham*
No fim das contas, a mesma velha indagação voltará à tona: Será que existe alguma dignidade no pó e nas cinzas?
Precisamos urgentemente tirar esse sorriso amarelo do rosto, acordarmos para a realidade, encurtarmos a distância da consciência de nossas fraquezas e ouvir o que o Espírito diz à igreja, pois "... virá tempo em que não suportarão a sã doutrina; mas, tendo grande desejo de ouvir coisas agradáveis, ajuntarão para si mestres segundo os seus próprios desejos, e não só desviarão os ouvidos da verdade, mas se voltarão às fábulas". (2ª Epístola a Timóteo, 4:4).

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

O drama do outsider

Na sua peregrinação involuntária, na busca da compreensão de seus dilemas interiores e diante da necessidade de se expressar, no seu mais puro estado de nitidez existencial, o "outsider" procura meios para inserir-se no "habitat comum". Torna-se outsider, não por vontade própria, mas por causa de suas convicções não coincidirem com a tradição vigente em sua época.
O que caracteriza o procedimento do outsider é a transitoriedade de suas percepções, sua mobilidade na busca do essencial, ou seja, o esforço de quebrar limitações do imaginado e do metafísico; uma inquietude contrapondo-se a ordem pré-estabelecida e de caráter autoritário. O outsider não consegue se "sujeitar voluntariamente" à uma instituição de poder; há conflitos interiores que teimam desenganar (e também desencantar) sua percepção, eliminando quaisquer possibilidades de fingir submissão a algo que não lhe satisfaz a consciência; a necessidade de "ser", contrariando o esforço do "ter"; contrariando também propostas de predestinação, fogindo para a busca do "imanentismo" repentino e fragmentário, não sugestionável, tapando os ouvidos para vozes que outrora lhe sugeriria a obediência inevitável ao sistema de tradições humanas. Daí sua queda ao "intangível", o "perder-se" no descontrole inevitável, a imaleabilidade da alma (a peregrinação, a fugacidade em busca da fé como uma exigência para profundas necessidades do seu íntimo), e não meramente uma graça provinda do sobrenatural como dádiva de mão única.
Entender o outsider é de uma complexidade sem tamanho, é adentrar em um mar revoltoso cujas ondas nos lançam no paradoxo das questões do "imaterial", da hiper-realidade.
E isto é expressado em todas as direções. Não há uma distinção, mas ocorre nas diversas esferas antropológicas (social, política, religiosa, cultural, etc). Tem  mais correlação com o "Caminho", e não com o ponto de partida, muito menos com a chegada.

Transcrevo aqui a letra de uma canção que bem expressa algumas das características:
(Essa vai para o amigo James Vidal, o "avohai")

Canção Agalopada


Zé Ramalho

Foi um tempo que o tempo não esquece
Que os trovões eram roncos de se ouvir
Todo o céu começou a se abrir
Numa fenda de fogo que aparece
O poeta inicia sua prece
Ponteando em cordas e lamentos
Escrevendo seus novos mandamentos
Na fronteira de um mundo alucinado
Cavalgando em martelo agalopado
E viajando com loucos pensamentos
Sete botas pisaram no telhado
Sete léguas comeram-se assim
Sete quedas de lava e de marfim
Sete copos de sangue derramado
Sete facas de fio amolado
Sete olhos atentos encerrei
Sete vezes eu me ajoelhei
Na presença de um ser iluminado
Como um cego fiquei tão ofuscado
Ante o brilho dos olhos que olhei
Pode ser que ninguém me compreenda
Quando digo que sou visionário

Pode a bíblia ser um dicionário
Pode tudo ser uma refazenda
Mas a mente talvez não me atenda
Se eu quiser novamente retornar
Para o mundo de leis me obrigar
A lutar pelo erro do engano
Eu prefiro um galope soberano
À loucura do mundo me entregar

domingo, 9 de outubro de 2011

KANSAS - Dust in the Wind

Nestes dias cinzas do mês de outubro
ao me deparar com esta canção
notei que, enquanto a chuva cai
nosso tempo, como a poeira, pouco a pouco se esvai.



Dust In The Wind

(Poeira no Vento)

I close my eyes
Eu fecho meus olhos
Only for a moment
Apenas por um momento
And the moment's gone
E o momento se foi
All my dreams
Todos os meus sonhos
Pass before my eyes, a curiosity
Passam diante de meus olhos, uma curiosidade
Dust in the wind
Poeira no vento
All they are is dust in the wind
Tudo o que eles são é poeira no vento
Same old song
A mesma velha canção
Just a drop of water
Apenas uma gota de água
In an endless sea
Em um mar infinito
All we do
Tudo o que fazemos
Crumbles to the ground
Cai em pedaços
Though we refuse to see
Embora nos recusamos enxergar
Dust in the wind
Poeiras no vento
All we are is dust in the wind, ohh
Tudo o que somos é poeira no vento, ohh
Now, don't hang on
Agora, não desperdice o tempo
Nothing lasts forever
Nada dura para sempre
But the earth and sky
Apenas o céu e a terra
It slips away
Tudo vai embora
And all your money
E todo seu dinheiro
Won't another minute buy
Não comprará outro minuto
Dust in the wind
Poeira no vento
All we are is dust in the wind (x2)
Tudo o que somos é poeira no vento
Dust in the wind
Poeira no vento
Everything is dust in the wind (x2)
Tudo o que somos é poeira no vento
The wind
O vento



quinta-feira, 6 de outubro de 2011

O Adeus ao gênio Steve Jobs

Lembro de quando eu estava me recuperando de uma "pancreatite" adquirida em minha infância. Quando olhava pela janela do hospital e sentia falta da vitalidade que transbordava para um lugar tão distante de "meu mundo". Recordo às noites que chorava sozinho pensando no incógnito de minha recuperação, na tão insuportada condição que me lançava nas mãos da medicina; um sentimento de impotência em mudar algo para além das possibilidades humanas. E isso ocorrera ainda nos meus dias de criança, onde havia tudo de novo lá fora, do outro lado da janela.
Aquela janela de hospital simbolizava para mim a grande muralha que me impedia de viver, um grande oceano, instransponível e inacessível.
Mas a cura chegou, e pude então sair daquele ambiente depois de uns dez dias de isolamento naquele quarto.
Agora podia tentar esquecer as bolachas maizena com chá, a sopa rala e sem sabor.
A plenitude dos dias já me era acessível. O sabor da vida já aguçava o meu paladar. Meus olhos já não eram limitados às quatro paredes brancas, sem cores, sem vida. Já ouvia o barulho do cotidiano, movimento, novos aromas, novos sons - o aguçamento dos sentidos e a possibilidade de existir e significar.
Hoje partiu um ícone da humanidade que soube fazer a diferença, mesmo em meio a um forte inimigo, o câncer no pâncreas. Steve Jobs lutou durante 7 anos contra este astuto inimigo, sempre com a mais pura esperança, inovando, causando impacto em um sistema vicioso e indiferente...
Provavelmente pelo fato de eu passar alguns momentos à mercê desta doença grave, me sinta mais próximo deste ser humano que partiu hoje. Mas, à despeito de tal, rendo graças à Deus por tê-lo capacitado a mostrar às pessoas que nem tudo está perdido. Há ainda esperança enquanto houver fôlego.
Eis um trecho de uma matéria divulgada pela EFE, agência de notícias:


A chamada ao inconformismo e a importância da morte para dar passagem ao novo, ideias defendidas por Steve Jobs em seu discurso na Universidade de Stanford, se transformam no testamento vital do fundador da Apple e são relembradas nesta quinta-feira nas páginas da internet.
Steve Jobs pronunciou o discurso em 2005, durante cerimônia de graduação da Universidade de Stanford, quando achava que seu câncer no pâncreas estava curado.
Na ocasião, ele relembrou sua origem de 'menino não desejado' que foi entregue à adoção, e que apesar do esforço de seus pais adotivos, não terminou a universidade: 'uma das melhores decisões que tomei', disse Jobs.
De acordo com ele, o melhor que aconteceu em sua vida foi ser demitido da Apple, a empresa que fundou: 'me libertou para entrar em um dos períodos mais criativos da minha vida', e então criou a NeXT e a Pixar, e quando a Apple comprou a NeXT ele retornou à empresa.
No discurso, Jobs disse que a despedida da Apple foi 'um remédio amargo, mas que o paciente precisava... estou convencido de que a única coisa que me permitiu continuar foi que eu amava o que fazia'.
Um terço da sua fala foi sobre o enfrentamento com a morte após ser diagnosticado com um câncer de pâncreas: 'ninguém quer morrer', mas 'é o agente de mudança da vida. Elimina o velho para dar passagem ao novo', disse.
Jobs ressaltou que o tempo tem limite, 'não o percam vivendo a vida de outra pessoa'. E acrescentou: 'não permitam que o barulho das opiniões alheias silencie sua própria voz interior. E mais importante ainda, tenham a coragem de seguir seu coração e intuição... tudo o demais é secundário'.
Seu discurso termina com algumas palavras lembrando a última edição da publicação 'The Whole Earth Catalog': 'permaneçam famintos. Permaneçam descabelados'.
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segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Livro "A alegria de ensinar", de Rubem Alves

Ensinar é um exercício de imortalidade. De alguma forma continuamos a viver naqueles cujos olhos aprenderam a ver o mundo pela magia da nossa palavra. O professor, assim, não morre jamais...

(Rubem Alves)
 

O autor, mineiro da cidade de Boa Esperança, formou-se em Teologia no Seminário Presbiteriano de Campinas em 1957, pastoreou a igreja presbiteriana de Lavras de 1958 a 1963; foi para Nova York, onde formou-se mestre em Teologia pela Union Theological Seminary, retornando em 1964.  Em 1968 foi perseguido pelo regime militar , foi também denunciado pelas autoridades da igreja presbiteriana como subversivo. Retornou com a família para os EUA, adquirindo lá seu doutorado (Ph.D.) de Filosofia em Princeton Theological Seminary. Hoje é professor da UNICAMP, psicanalista e “jardineiro”. É também autor de preciosas obras como: “Teologia do Cotidiano”; “O Retorno Eterno”; “O Passarinho Engaiolado”; “Filosofia da Ciência”; “Entre a Ciência e a Sapiência”; etc.
 
Na crônica “A Alegria de Ensinar”, o autor critica a estrutura dos métodos educacionais hodiernos, trazendo soluções baseadas na conexão do saber aplicado á vida prática. Sua narrativa nos leva ao campo primitivo do aprendizado, projetando as consequências de uma sociedade materialista pragmática e dissociada da verdadeira qualidade de vida.
Este livro foi gentilmente emprestado por minha irmã Elizeli. Caso o livro não fosse muito bom, certamente eu lhe teria devolvido rapidamente, pois segundo ela, eu realizaria a leitura em uma tarde, devidos às suas poucas páginas. Mas levei exatos três dias, onde parei diversas vezes para refletir sobre o contexto de um tema tão significante para o progresso sadio da humanidade.
Alguns fragmentos que deixo aqui:
“Basta contemplar os olhos amedrontados das crianças e os seus rostos cheios de ansiedade para compreender que a escola lhes traz sofrimento. O meu palpite é que, se se fizer uma pesquisa entre as crianças e os adolescentes sobre as suas experiências de alegria na escola, eles terão muito o que falar sobre a amizade e o companheirismo entre eles, mas pouquíssimas serão as referências à alegria de estudar, compreender e aprender [...] Não me espanto, portanto, de ter aprendido tão pouco na escola. O que aprendi foi fora dela e contra ela. Jorge Luís Borges passou por experiência semelhante. Declarou que “estudou a vida inteira, menos nos anos em que estava na escola”. Era, de fato, difícil amar as disciplinas representadas por rostos e vozes que não queriam ser amados”.
“Os métodos clássicos de tortura escolar como a palmatória e a vara já foram abolidos. Mas poderá haver sofrimento maior para uma criança ou um adolescente que ser forçado a mover-se numa floresta de informações que ele não consegue compreender, e que nenhuma relação parecem ter com a vida?”
“Os técnicos em educação desenvolveram métodos de avaliar a aprendizagem e, baseados em seus resultados, classificam os alunos. Mas ninguém jamais pensou em avaliar a alegria dos estudantes. [...] Daí o paradoxo com que sempre nos defrontamos; quanto maior o conhecimento, menor a sabedoria. T.S. Eliot fazia esta terrível pergunta: “Onde está a sabedoria que perdemos no conhecimento?”
“Hermann Hesse dizia que dentre os problemas da cultura moderna a escola era o único que levava a sério. [...] Nietzsche, que via a sua missão como a de um educador, também se horrorizava diante daquilo que as escolas faziam com a juventude; “O que elas realizam, ele dizia, é um treinamento brutal, como o propósito de preparar vastos números de jovens, no menor espaço e tempo possível, para se tornarem usáveis e abusáveis, a serviço do governo. Em vez de “a serviço do governo”, diria “usáveis e abusáveis a serviço da economia”.
“Meditei sobre o destino das vacas. Fiquei poeta. A gente fica poeta quando olha para uma coisa e vê outra. É isso que tem o nome de metáfora. Olhei para a carne cortada, o moedor, os rolinhos e vi uma outra; escolas! Assim são as escolas...As crianças são seres oníricos, seus pensamentos têm asas. Sonham sonhos de alegria. Querem brincar. Como as vacas de olhos mansos, são belas, mas inúteis. E a sociedade não tolera a inutilidade. Tudo tem de ser transformado em lucro. Como as vacas, elas têm de passar pelo moedor de carne. Pelos discos furados, as redes curriculares, seus corpos e pensamentos vão passando. Todas são transformadas numa pasta homogênea. Estão preparadas para se tornar socialmente úteis. E o ritual dos rolos em plástico? Formatura. Pois formatura é isto: quando todos ficam iguais, moldados pela mesma fôrma. Hoje, quando escrevo, os jovens estão indo para os vestibulares. O moedor foi ligado. Serão transformados em ferramentas. As ferramentas são úteis. Necessárias. Mas – que pena – não sabem sonhar...”
“Palavras, coisas etéreas e fracas, meros sons. No entanto, é delas que o nosso corpo é feito. O corpo é a carne e o sangue metamorfoseados pelas palavras que aí moram. Os poetas sagrados sabiam disso e disseram que o corpo não é feito só de carne e sangue. O corpo é a Palavra que se fez carne: um ser leve que voa por espaços distantes, por vezes mundos que não existem, pelo poder do pensamento. Pensar é voar. Voar com o pensamento é sonhar. [...] O corpo de uma criança é um espaço infinito onde cabem todos os universos. Quanto mais ricos forem esses universos, maiores serão os vôos da borboleta, maior será o fascínio, maior será o número de melodias que saberá tocar, maior será a possibilidade de amar, maior será a felicidade.”
“Amar é brincar. Não leva a nada. Porque não é para levar a nada. Quem brinca já chegou. Coisas que levam a outras, úteis, revelam que ainda estamos a caminho: ainda não abraçamos o objeto amado. Mas no brinquedo temos uma amostra do paraíso. Dizem que o trabalho enobrece. Poucos se dão conta que ele embota, cansa e emburrece.”
“Pois o que é um poema? É claro que não é a coisa. Se o poema fosse a coisa ele seria supérfluo, desnecessário, pura tautologia. O poema é um objeto impossível que construímos pela magia do jogo das palavras. “O silêncio verde dos campos...” Onde já se viu isso? Silêncio verde não existe. Mas o poeta brinca com as palavras e o silêncio verde aparece. [...] O professor é aquele que ensina a criança a fazer flutuar suas bolinhas de vidro dentro das bolhas de sabão. Tudo o que é pesado flutua no ar.”
Dizer que o Brasil é o país do futuro por causa das florestas, ferro, ouro, diamantes, é o equivalente a afirmação de que um homem será um grande pintor por ser dono de uma loja de tintas. Mas o que faz o quadro não é a tinta: são as idéias dançantes na cabeça que fazem as tintas dançarem sobre a tela. Por isso, sendo um país tão rico, somos um povo tão pobre. Somos pobres em idéias. Não sabemos pensar. O bem que não se vende são as idéias. É com as idéias que o mundo é feito. [...] Minha filha me fez uma pergunta: “O que é pensar?” Disse-me que esta era uma pergunta que o professor de filosofia havia proposto á classe. Pelo que lhe dou os parabéns. Primeiro por ter ido diretamente á questão essencial. Segundo, por ter tido a sabedoria de fazer a pergunta, sem dar a resposta. Porque, se tivesse dado a resposta, teria ela cortado as asas do pensamento. [...] Não existe nada mais fata para o pensamento que o ensino das respostas certas. Para isso existem as escolas: não para ensinar as respostas, mas para ensinar as perguntas. As respostas nos permitem andar sobre a terra firme. Mas somente as perguntas nos permitem entrar pelo mar desconhecido.
Nas palavras de Roland Barthes: “Há um momento em que se ensina o que se sabe...” E o curioso é que esse aprendizado é justamente para nos poupar da necessidade de pensar. [...] Há um nível de aprendizado que o pensamento é um estorvo. Só se sabe bem com o corpo aquilo que a cabeça esqueceu. E assim escrevemos, lemos, andamos de bicicleta, nadamos, guiamos carros: sem saber com a cabeça, porque o corpo sabe melhor. É isso me poupa do trabalho de pensar o já sabido. Ensinar, aqui, é inconscientizar. O sabido é o não pensado, que fica guardado no cérebro. Não é coisa que eu tenha inventado, me foi ensinado. Não precisei pensar. Gostei. Foi para a memória. Esta é a regra fundamental. Só vai para a memória aquilo que é objeto do desejo. A tarefa primordial do professor: seduzir o aluno para que ele deseje e, desejando, aprenda. E o saber fica memorizado de cor – etimologicamente, no coração –, à espera de que a tecla do desejo de novo o chame do seu lugar de esquecimento. Fazer esquecer para fazer lembrar. Memória: um saber que o passado sedimentou. Indispensável para se repetir as receitas que os mortos nos legaram. E elas são boas. Tão boas que elas nos fazem esquecer que é preciso voar. Permitem que andemos pelas trilhas batidas. Mas nada têm a dizer sobre mares desconhecidos.
Muitas pessoas, de tanto repetir as receitas, metamorfosearam-se de águas em tartarugas. E não são poucas as tartarugas que possuem diplomas universitários.
Aqui se encontra o perigo das escolas: de tanto ensinar o que o passado legou – e ensinar bem – fazem os alunos se esquecerem de que o seu destino não é o passado cristalizado em saber, mas um futuro que se abre como vazio, um não-saber que somente pode ser explorado com as asas do pensamento. Compreende-se então que Barthes tenha dito que, seguindo-se ao tempo em que se ensina o que se sabe, deve chegar o tempo quando se ensina o que não se sabe.
“O seu saber é um pássaro engaiolado, que pula de poleiro em poleiro, e que você leva para onde quer. Mas dos sonhos saem pássaros selvagens, que nenhuma educação pode domesticar”.
“...Meu saber o ensinou a andar por caminhos sólidos. Indiquei-lhe as pedras firmes, onde você poderá colocar os seus pés, sem medo. Mas o que fazer quando se tem de caminhar por um rio saltando de pedra em pedra, cada pedra uma incógnita? Ah! Como é diferente o corpo movido pelo sonho, do corpo movido pelas certezas”.
“Até agora eu o ensinei a marchar. É isto que se ensina nas escolas. Caminhar com passos firmes. Não saltar nunca sobre o vazio. Nada dizer que não esteja construído sobre sólidos fundamentos. Mas, como o aprendizado do rigor, você desaprendeu o fascínio do ousar. E até desaprendeu mesmo a arte de falar. Na Idade Média os pensadores só se atreviam a falar se solidamente apoiados nas autoridades. Continuamos a fazer o mesmo, embora os textos sagrados sejam outros. Também as escolas e universidades têm os seus papas, seus dogmas, suas ortodoxias. O segredo do sucesso na carreira acadêmica? Aprender a fazer tudo o que o seu mestre mandar...”
“... Agora o que desejo é que você aprenda a dançar. Lição de Zaratustra, que dizia que para se aprender a pensar é preciso primeiro aprender a dançar. Quem dança com as idéias descobre que pensar é alegria. Se pensar lhe dá tristeza é porque você só sabe marchar, como soldados em ordem unida. Saltar sobre o vazio, pular de pico em pico. Não ter medo da queda. Foi assim que se construiu a ciência: não pela prudência dos que marcham, mas pela ousadia dos que sonham. Mas sonhar é uma coisa que não se ensina. Brota das profundezas do corpo, como a água brota das profundezas da terra.”
“Dinheiro é um objeto que só dá pensamentos de comprar. A riqueza, com frequência, não faz bem ao pensamento. Mas a pobreza faz sonhar e inventar. Carrinho de pobre tem de ser parido. A professora deve ter notado que ele estava distraído, ausente, olhando o vazio fora da janela. Falou alto para chamar sua atenção. Inutilmente. Ela não percebeu que distração é atração por um outro mundo. Se os professores entrassem nos mundos que existem na distração de seus alunos eles ensinariam melhor. Tornar-se-íam companheiros de sonho e invenção. O menino virou poeta. Entrou no mundo das metáforas: isto é aquilo. Ele disse: “Esta lata de sardinha é o meu carro...” O menino, sem saber, executou uma transformação mágica. [...] O amor é o pai da inteligência. Sem amor todo o conhecimento permanece adormecido, inerte, impotente. [...] Os profissionais da educação pensam que o problema da educação se resolverá com a melhoria das oficinas: mais verbas, mais artefatos técnicos, mais computadores. Não percebem que não é aí que o pensamento nasce. O nascimento do pensamento é como o nascimento de uma criança. Tudo começa com um ato de amor. Por isso os educadores, antes de serem especialistas em ferramentas do saber, deveriam ser especialistas em amor: intérpretes de sonhos”.
“O menino sonhava. Como Deus, que do nada criou tudo, ele tomou o nada em suas mãos, e com ele fez o seu carrinho. Imagino que, também como Deus, ele deve ter sorrido de felicidade ao contemplar a obra de suas mãos...”

(In: Alves, Rubem. A Alegria de Ensinar. Papirus Editora, 11ª ed. Campinas. 2007. 93p.)